Thursday, April 9, 2015

Os dias que eu choro

     Tudo que eu sempre quis foi ser normal, mas isso nunca fez parte da minha vida, em nenhum momento eu tive a família normal, e depois dos meus nove anos eu passei também a ter uma pele que era tudo menos normal.
      Eu já chorei tanto por causa disso que nao sei mais precisar o quanto de lágrimas já derramei, por vezes pela dor física, que me acompanha há 27 anos, mas principalmente pela dor psicológica, nao consigo imaginar que um dia ela terá fim.
     Por mais tratamentos e cirurgias que eu faca, nunca em nenhum momento minha pele adquiriu o aspecto de pele normal, tudo que eu consegui foi uma melhora funcional e mais algumas cicatrizes discretas. Até hoje eu nunca consegui ficar verdadeiramente feliz por ter feito um tratamento, porque eles nunca me devolvem a normalidade, eles nao me fazem olhar e ver que a pele está íntegra e sem nenhum sinal de todo o horror que já passei.
     Meu maior sonho sempre foi usar as roupas que eu tivesse vontade, sem que isso me fizesse olhar no espelho e refletir que aquilo estava feio, eu nunca consegui ver beleza nessa pele deformada e quando eu penso nisso as lágrimas molham meu rosto.
    Entretanto a maior dor vem da falta de apoio daqueles que estao tao próximos, da família, é muito triste perceber que sua própria família nao enxerga a razao da sua dor, o motivo pelo qual sua vida é um martírio constante, a razao pela qual você tem vontade que seus dias nunca mais recomecem.
     Quando se está num hospital e vem mais uma cirurgia complicada e que nao vai te retornar à normalidade, tudo que se deseja é morrer, e a morte nesses casos nao é castigo, é prêmio.
     Nunca teve um único dia em que eu nao sentisse dor nas minhas costas e nos meus ombros por conta das contracoes e do encurtamento dos músculos e nervos.
     Quando eu tinha 12 anos minha casa foi invadida por um fugitivo da polícia, e ele apontou uma arma para a minha cabeca, e eu disse: "atira seu filha da puta, acaba logo com o meu sofrimento, faca esse favor". Ele nao teve coragem e baixou a arma e o policial que estava o perseguindo o prendeu.
     Eu já tentei suicídio por 2 vezes, e nao tive sucesso, uma vez eu me injetei insulina, uma quantidade tao grande, que seria suficiente para derrubar um cavalo, e nao aconteceu nada, eu só dormi e acordei com dor de cabeca, como que numa ressaca. Até hoje eu nao compreendo como isso aconteceu. Na época eu tinha 16 anos. Eu tinha pesquisado e sei que altas doses de insulina levam à hipoglicêmia e ao coma, e como ninguém iria perceber, porque era de noite, iam achar que eu estava dormindo normalmente e no dia seguinte eu estaria morta por falta de glicose no cérebro. Eu me injetei, na época mais de 30 ml de uma única vez, que corresponde à 30000 UI. Como nao funcionou e ninguém percebeu nada, nunca mencionei o episódio para alguém da família.
     A segunda vez, eu tomei rivotril, eu consumi de uma única vez 100 comprimidos, ou seja uma dose de elefante, e que seria capaz de matar qualquer ser que eu conheco, exceto eu mesma. Assim como no dia da insulina, só me fez dormir e nada mais, acho que foi a única noite que eu dormi pesadamente em minha vida.
     Eu só queria acabar com todo o sofrimento, eu queria nunca mais sentir dor, acho que esse dia nunca vai chegar.
     Nao importa o que eu faca, eu nunca me senti livre, plena e normal. A normalidade seria o maior presente que eu poderia receber em minha vida, eu queria me olhar no espelho e nunca mais ver cicatrizes. Mesmo que isso fosse por apenas um único dia, se eu tivesse esse dia, seria o dia mais pleno e feliz da minha existência. Aí sim eu poderia morrer em paz.

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